Geralmente usada quando acontecimentos muito aguardados estão prestes a ocorrer, como a virada do ano, ou a proximidade de um evento especial, a contagem regressiva tende sempre ao elemento inicial de uma série, ao zero, a representação da ausência. Contadores, de Marina Saleme alude a não acumulação que esse retorno a estágios já percorridos implica. Mais do que a constatação da falta de permanência das coisas, há em seu trabalho uma concepção sobre a ciclicidade inexorável do tempo.
A recorrência de certas formas em suas pinturas e fotografias sugere um longo processo de construção que inclui avanços, recuos, e um contínuo voltar-se sobre si mesmo. E esse retorno ao ponto inicial, a volta à estaca zero, nos ajuda a compreender o movimento de sua reflexão. Parte de seus trabalhos é povoada de vultos, de lápides e de vazios. Além do elemento vazado, é possível perceber que certas estruturas que bloqueiam a visão e marcam o fim de um trajeto, assim como o uso de brilhos, se repetem em suportes distintos, mesmo que com diferentes densidades.
A pintura de Marina Saleme é feita também a partir da fotografia, que em seu percurso surgiu como um desdobramento de seu raciocínio pictórico. Embora a fotografia seja menos um fim do que um meio, e esteja em pleno diálogo com sua pintura, principalmente na série Contadores, em que uma narrativa se esboça, ela parece caminhar para uma independência. O brilho metálico, que cobre toda a superfície das fotos, atrai e seduz nosso olhar, mas é portador de outra função nas telas. Quando parte da luz é refletida na pintura, e potencializada em apenas algumas áreas, ela destoa da profundidade dos verdes e azuis intensos, impedindo o pleno acesso de nosso olhar.
Cada pintura, mesmo que algumas tenham aparência mais fluída, possui dezenas de camadas de tinta: o feito é desfeito e, várias vezes, refeito até se chegar num resultado que não poderia ter sido projetado, porque ele surge durante o processo de trabalho. É como se houvesse a possibilidade de processos serem revertidos ao estado anterior, mas nesse trajeto algo diferente acontece.
Enquanto as telas se beneficiam da sobreposição e adensamento de matéria, exigindo um tempo mais lento, as séries de fotografias – talvez com exceções como a da grande foto que é antes de tudo pintura – possuem um tempo mais instantâneo. O que ocorre é que a artista reencontra no mundo certas estruturas que foram construídas em sua pintura, retornando a origem de sua pesquisa, ao ponto de partida. É a reversibilidade e a possibilidade de espelhamento que enriquece seu espaço pictórico. Ora mais etérea, ora espessa como céus carregados que retêm a chuva, sua produção possui uma ambigüidade que não se contenta com definições prévias.
Sem jamais abdicar da figura, o trabalho de Marina Saleme se coloca aquém da esquemática tradição que opera a partir da oposição entre figuração e abstração, como se a arte abstrata fosse livre da representação que figuração nunca conseguiria abandonar. Representar uma imagem que corresponda a algo que esteja fora do alcance de nossa vista se confunde, aqui, com apresentação: o modo como o trabalho da artista se deixa conhecer sem que seja preciso recorrer a algo exterior a ele. Essas obras são aquilo que vemos, a sua própria materialidade, mas não deixam de ser, ao mesmo tempo, aquilo que poderia estar em nós ou em outro lugar qualquer.