Jogos de palavras atrapalham, muitas vezes, a compreensão de um assunto. Não gostaria de contribuir para que pinturas tão serenas como as de Marina Saleme se tornassem obscuras. Se cada pólo do par parecer/aparecer se aplica às pinturas que devo analisar, é porque, creio, o jogo entre eles também se passa nos quadros e não somente entre as palavras.
Parecer porque há uma figuração velada em cada uma das pinturas. Pelas quatro dimensões que possuem é mesmo possível classificá-las como naturezas-mortas, as bem pequenas, paisagens, as pequenas e médias, e paisagens ou retratos, as grandes. Mas, no que velam, não deixam as figuras aparecer por completo. Aparecem como vultos. Parecem aparições. Algumas são mais assustadoras, outras, um sonho bom. Aparecer porque só o que teima, consegue aparecer. É que o muito aparecido — pense-se na oração “fulano é um aparecido” – não aparece aparecendo, mas, por assim dizer, já apareceu. Se não for abusar demais de palavras e metáforas, há uma espécie de aritmética nessas pinturas e que pode ser assim formulada: a metade que não parece dá lugar para a metade que aparece e a metade que não aparece fornece espaços para o parecer.
Metade isto, metade aquilo, é uma forma rudimentar de descrever essas pinturas, mas não de todo imprópria. Se elas possuem uma unidade dada por uma cor dominante, também recolhem pedaços, metades. Melhor dizendo, recolhem nódulos, veios, incisões, padrões interrompidos. Há algo como uma arqueologia pictórica aí. O que se daria a ver seria, então, um corte num meio entre líquido e sólido e que assim esbarraria com coisas incertas, e que puxam o olhar para uma investigação sobre o que parece ser o que apareceu pela sondagem. Serenas, transmitem o pausado e paciente trabalho, camada atrás de camada, de sossegar a inquietude. Conquistam a tranquilidade lutando contra o caos que ainda deixam transparecer. É uma arqueologia, assim, que é, também, uma reconstrução artística de sentimentos e vivências entrecortadas, segmentadas. Se a vida não deixa muitas vezes reuní-las, há sempre a esperança da arte para a vida que poderia ter sido.